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Sílvio Santos foi pequeno com Zé Celso

Foto/Reprodução.

Na cobertura gigantescamente apologética da morte de Sílvio Santos talvez não coubesse a disputa por um terreno travada durante anos entre o dono do SBT e José Celso Martinez Corrêa, o fundador do Teatro Oficina.

Sílvio Santos foi pequeno com Zé Celso. Sem querer provocar polêmica num momento em que esta seria inoportuna, resgato parte do que escrevi quando Zé Celso morreu, em julho de 2023. É o que segue.

Quando soube da morte de Zé Celso, lembrei de um artigo que a Folha publicou no dia seguinte à morte de Antônio Carlos Jobim, em dezembro de 1994. O título do artigo era: “A morte de Jobim é como a derrubada de uma floresta”.

Claro que lembrei também do Caetano Veloso de Sampa, no verso “tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva”, que faz, sutilmente, menção a Zé Celso e seu Teatro Oficina.

As duas lembranças me levaram a pensar num texto cujo título buscasse dimensionar Zé Celso corretamente. E veio a imagem dele como uma floresta do teatro brasileiro.

A morte de Zé Celso é como a morte de Glauber Rocha, de Tom Jobim, de João Gilberto – esses criadores extraordinários com os quais o Brasil tem uma dívida que jamais será paga enquanto formos um país em que a educação está longe de ser tratada como uma coisa realmente muito séria.

Zé Celso era o maior nome vivo do teatro brasileiro. Zé Celso era o mais corajoso, livre e transgressor entre todos os grandes nomes do teatro brasileiro.

Se ninguém duvida de que o teatro brasileiro é antes e depois de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, também não há porque duvidar de que o teatro brasileiro, anos mais tarde, é antes e depois de O Rei da Vela, que Zé Celso montou em 1967.

Em 1967, Glauber Rocha fez Terra em Transe, o mais importante e contundente filme político do Brasil.

Em 1967, Caetano Veloso compôs Tropicália, canção que deflagrou o movimento tropicalista.

Em 1967, Zé Celso montou O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, no Teatro Oficina, em São Paulo.

Cinema, música popular, teatro – expressões da arte e da cultura nacionais dialogando num momento crucial da história recente do Brasil.

Em 1968, Zé Celso levou a Roda Viva, de Chico Buarque, para aquele corredor/palco do Oficina. Parecia improvável, porque Zé Celso era de uma esquerda altamente transgressora, enquanto Chico estava alinhado a uma esquerda mais clássica.

Mas aconteceu. E um grupo paramilitar entrou no teatro e espancou atores e atrizes – episódio que Caetano Veloso citou explicitamente no discurso de É Proibido Proibir. Citação acompanhada de um “Viva Cacilda Becker!”.

Zé Celso foi duramente perseguido pela ditadura militar iniciada em 1964 com a deposição do presidente João Goulart. Mas Zé Celso está na lista dos que mais corajosamente enfrentaram a ditadura.

Esse enfrentamento se deu na alegria esfuziante que havia na sua persona pública, na sua singularíssima liberdade, no seu espírito transgressor e revolucionário. E estava, principalmente, no teatro que produziu, para o Brasil e para o mundo, a partir do Oficina.

Zé Celso era antropofágico, orgiático, um encenador que envolvia suas plateias em grandes provocações, e que, em sua longa vida, ainda desempenhou papel importantíssimo na formação de atores e atrizes que depois a gente foi ver no cinema e na televisão, quase sempre sem imaginar que esses artistas, antes, passaram pelas mãos de Zé Celso.

Autor, adaptador, diretor, ator, cineasta. Mestre de tantos. Extraordinário agitador. Um grande brasileiro que sonhou com um Brasil muito melhor do que esse que temos e dedicou sua vida de 86 anos a fazer o que acreditava ser possível para contribuir com a materialização desse sonho.