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Vladimir Carvalho tinha o Nordeste como sua nave-mãe

Foto/Reprodução.

Vladimir Carvalho e meu pai foram amigos de infância e colegas de escola. Vladimir, nascido em 1935, morando na Camilo de Holanda, por trás do Liceu Paraibano. Meu pai, nascido em 1936, morando na Aragão e Melo, no bairro da Torre.

Vladimir Carvalho e meu pai eram comunistas. Vladimir, dos comunistas católicos. Meu pai, dos comunistas ateus. Vladimir, dos comunistas dedicados à militância no Partidão. Meu pai, dos comunistas teóricos, daqueles que não foram à luta.

Vladimir Carvalho e meu tio Hugo foram colegas na Universidade da Bahia no início dos anos 1960. Vladimir, cursando Filosofia. Meu tio, Música. Na UFBA, Vladimir Carvalho encontrou num colega de curso um amigo da vida toda. Era Caetano Veloso.

Muitos anos depois, Caetano Veloso escreveu que há pessoas que são engrandecidas pelas causas às quais se engajam. No caso de Vladimir Carvalho, segundo Caetano, se dava o inverso: ele que engrandecia a causa do comunismo com sua adesão.

Vladimir Carvalho era o maior nome do cinema paraibano. Vladimir Carvalho era um dos mais importantes documentaristas brasileiros. Com seus filmes, ele deu contribuição substancial à construção de uma linguagem para o cinema documental do Brasil.

O cinema de Vladimir Carvalho vem da virada da década de 1950 para a de 1960, quando foi parceiro de Linduarte Noronha na realização do seminal Aruanda. Vladimir reinvidicava uma parceria que Linduarte nunca reconheceu.

Há os filmes de curta-metragem, como Romeiros da Guia, A Bolandeira, Vestibular 70 e Incelência Para um Trem de Ferro. Mas há sobretudo os filmes de longa-metragem.

Retrato da miséria nordestina, O País de São Saruê é o mais importante deles. Foi proibido pelo regime militar e passou anos confiscado. Quando de sua liberação, já havia se transformado num símbolo de luta contra a censura.

O Homem de Areia é um mergulho na história do homem, do político e do escritor José Américo de Almeida. Vladimir era dos comunistas que admiravam Zé Américo.

José Américo de Almeida não foi o único escritor paraibano retratado por Vladimir Carvalho. Ele também se debruçou sobre José Lins do Rego em O Engenho de Zé Lins.

O Evangelho Segundo Teotônio é sobre a luta do senador alagoano Teotônio Vilela pela redemocratização e ainda sobre como o político enfrentou o câncer que o impediu de ver o fim da ditadura militar e a volta da democracia.

Conterrâneos Velhos de Guerra é um épico que Vladimir Carvalho passou muitos anos gestando. Mostra os nordestinos que ajudaram a construir Brasília nos anos JK.

Rock Brasília traz as bandas que se projetaram a partir da capital federal no começo dos anos 1980. Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude, Paralamas do Sucesso – estão todas nesse filme que conecta o cineasta a uma geração que veio depois da dele.

Vladimir Carvalho estava com Eduardo Coutinho quando, em 1964, este tentava filmar Cabra Marcado Para Morrer. Veio o golpe militar, a equipe se dispersou, e Vladimir não só fugiu, como deu fuga a Dona Elizabeth, a viúva de João Pedro Teixeira.

Vladimir Carvalho era um criador importante, mas nunca deixou de ser simples, acessível, doce e generoso. Era um parceirão dos colegas de ofício e um amigo intenso e leal daqueles a quem tinha como seus verdadeiros amigos.

Numa entrevista há mais de 40 anos, Vladimir Carvalho me disse: “O Nordeste é minha nave-mãe”. Em 1970, ele trocou a Paraíba por Brasília, onde viveu até morrer neste 24 de outubro de 2024. Ensinou cinema na UNB e de lá, do distrito federal, fez seus filmes.

Mas o Nordeste, sua nave-mãe, nunca saiu de perto dele. Foi quem lhe guiou na humanidade que projetou em seus filmes, documentos incontestes de amor ao Brasil e ao povo brasileiro.