Gilberto Gil está fazendo 82 anos nesta quarta-feira, 26 de junho de 2024.
Gil é um imenso brasileiro. Gosto de dizer que ele é uma das grandes belezas do Brasil, mas a verdade é que nunca encontro palavras de fato à altura da sua dimensão.
Em 1967, eu tinha somente oito anos quando vi Gil no festival de MPB que o projetou nacionalmente com Domingo no Parque. Ele tinha 25. Foi amor à primeira vista, desses amores que são para a vida inteira.
Vi Gil ao vivo pela primeira vez em abril de 1975. Eu estava perto de fazer 16 anos, e ele, 33.
Na coluna desta quarta-feira em que Gil faz aniversário, resgato texto em que conto como foi aquele show no Teatro Santa Roza, que Gil achou parecido com uma embarcação do Mississippi.
1° de abril de 1975, cinco da tarde. Na sala da direção do Teatro Santa Roza, estavam os jornalistas Agnaldo Almeida e Carlos Aranha, os radialistas Francisco Ramalho e Walter Cartaxo, e dois adolescentes que davam os primeiros passos na imprensa paraibana, eu e Walter Galvão.
O entrevistado foi pontual: Gilberto Gil, 32 anos, cinco discos autorais de estúdio, dois anos e meio de exílio em Londres após ser preso pelo governo brasileiro; oito de carreira, se tomarmos como referência o LP Louvação, de 1967.
A conversa foi amistosa, mas algumas perguntas confirmavam uma certa hostilidade da imprensa em relação ao Tropicalismo. Sobretudo quando se aproximavam de temas políticos ou de classificações como a boa versus a má música brasileira. Aos 15 anos, intimidado pelos mais velhos, não fiz perguntas.
Na despedida, conversei um pouco com Gil. Perguntei pelo conjunto (ainda não usávamos banda) que o acompanhava. Era um trio inspirado no Jimi Hendrix Experience, me disse. Ele no violão (ou guitarra), Moacir Albuquerque no baixo, Chiquinho Azevedo na bateria.
Gilberto Gil tocava em João Pessoa pela segunda vez. Na primeira, em 1967, ainda não era nacionalmente conhecido. Fazia uma temporada no Teatro Popular do Nordeste, no Recife, e passara por aqui, no mesmo Santa Roza, para mostrar suas músicas pré-tropicalistas.
Em 1975, percorria o país com um repertório semelhante ao do disco gravado ao vivo no Teatro da Universidade Católica, em 1974, e estava prestes a fazer um dos seus discos mais importantes, o Refazenda. Naquela noite, fui vê-lo no palco.
O show começava com uma música cuja letra parece ter se perdido: The Sound of the End of a Time. Não está no livro Todas as Letras, organizado por Carlos Rennó. O registro que ficou conhecido é o da versão em português, Ê, Povo, Ê, que apareceria logo depois em Refazenda.
Outra música do set list esquecida pelo autor (também não está em Todas as Letras) contava a história verdadeira de um casal que subira numa árvore para que esta não fosse derrubada. Gil improvisava sobre o tema, acompanhando-se ao dúlcimer, instrumento semelhante ao tricórdio que o pernambucano Lula Cortes nos apresentou.
O show durava três horas. Procissão, do disco de estreia, anterior ao Tropicalismo, fora transformada em blues. Cantiga de Sapo, que ouvíamos com Jackson do Pandeiro, formava um medley com O Sonho Acabou, composta no exílio depois do dream is over de John Lennon.
Expresso 2222, Oriente e Back in Bahia vinham do disco Expresso 2222, lançado na volta ao Brasil, em 1972. Lugar Comum, parceria com João Donato, estava no álbum ao vivo do ano anterior.
As raízes se misturavam às antenas que o compositor apontava para o futuro, sintetizando o que ele é nos palcos e nos estúdios.